Tema

Bem Viver como tecnologia e cultura de inovação

 

A noção de Bem Viver tem a ascendência mais conhecida nos povos originários Aymara e Kichwa e encontra ressonância nos modos de viver dos povos da floresta e povos tradicionais da América Latina.  O conceito de Bem Viver vem, cada vez mais, ganhando força em toda a região, mesclando-se a outras epistemologias que confrontam diretamente o modelo vigente desenvolvimentista e exploratório da natureza e dos seres humanos. 

Desde a I Marcha de Mulheres Negras, idealizada pela ativista paraense Nilma Bentes e realizada em 2015, as pautas do Bem Viver vêm sendo fortemente incorporadas às agendas dos movimentos de mulheres negras. 

A marcha mobilizou o Brasil para, a partir do conceito de Bem Viver, descolonizar narrativas hegemônicas e denunciar os efeitos do racismo e do machismo sistêmicos, além de evidenciar possibilidades de pleitear novos marcos civilizatórios e um conjunto de reivindicações relacionadas à ética, justiça, liberdade, participação política e social, cuidados, garantia e ampliação de direitos para mulheres negras.

Em disputa e em construção, os fundamentos e elementos tradicionais do Bem Viver vêm sendo discutidos academicamente e no âmbito do poder público, assim como dentro dos múltiplos espaços políticos articulados pelos movimentos indígenas e de mulheres negras. Mais uma vez, esses movimentos trazem inovação cultural, novos paradigmas e provocações para as lutas sociais na América Latina.

No Equador, após um longo período de crises, lutas e reivindicações dos povos indígenas, em 2008, os conceitos de Bem Viver foram incorporados à Constituição da República, havendo um plano nacional, com metas para o poder público. O mesmo se deu, em 2009, na Constituição do Estado  Plurinacional da Bolívia. Na Colômbia, a Vice-Presidenta Francía Marquez protagonizou uma forte campanha eleitoral a partir do tema “Vivir Sabroso”, que em muito se assemelha às concepções do Bem Viver.

Assim como as culturas tradicionais, a epistemologia do Bem Viver é circular, sincrética, plural e nos convida à fé nas utopias de transformação e em um mundo mais sustentável. A programação da 16ª edição do Festival Latinidades vai promover debates sobre a importância de construir a cultura do Bem Viver, a partir da produção artística, ativista e intelectual de mulheres negras, hermanadas com as mulheres indígenas. Um Bem Viver que alcance as todas as pessoas e que paute um conjunto de práticas integrativas, de direitos transversais e diálogos com as políticas públicas, as espiritualidades, os cuidados e autocuidados,  saúde mental, direitos e saberes das comunidades tradicionais ameríndias, africanas e negras em diáspora. As discussões sobre Bem Viver se darão, sobretudo, no âmbito das políticas públicas e dos direitos.